DISTRAÇÕES DE EDUCADORES?

Maria Cristina Faber Boog

Hoje fui assistir uma festa escolar, na qual foram apresentados trabalhos sobre Educação Alimentar e Nutricional realizados nas classes de Educação Infantil. Entre colagens representando pratos saudáveis, pirâmides de alimentos, algo se destacava pela criatividade: um gráfico de barras verticais, feito com colagem de quadradinhos de papel colorido que representava o número de crianças da classe que consumiam alguns alimentos (água, arroz, frutas, feijão, entre vários outros e… pasmem! O número de crianças que comiam em uma conhecida lanchonete de rede multinacional, que era, aliás,  exatamente igual ao número de crianças que comiam arroz, ou seja, o total da classe!

Qual foi a intenção de realizar esse trabalho?

A construção do gráfico em si é muito interessante. Desconheço quais foram os propósitos da escola, mas no meu entendimento, essa experiência possibilita:

  1. Perceber o coletivo da alimentação e compará-la com a sua própria.
  2. Conversar sobre que alimentos estão sendo consumidos por menos famílias (no caso eram as frutas e o feijão).
  3. Interessar a criança pelo assunto “consumo de alimentos”.

Ter critérios para analisar criticamente as próprias práticas alimentares e interessar-se pelo assunto alimentação do ponto de vista social, de cidadania e de saúde são atitudes que se espera de qualquer adulto educado e responsável. Nesse sentido a escola está formando bem seus alunos. Quando essas crianças forem adultas não passarão direto por uma matéria de jornal que trate dos resultados das pesquisas de consumo de alimentos, pois consumo de alimentos fará parte de seu repertório temático.

Mas cabe perguntar: o que faz a marca da lanchonete junto com a água, o arroz, o feijão e as frutas? O que teria levado professores, tão interessados, comprometidos, cuidadosos e bem intencionados, a inserir entre nomes de alimentos, uma marca comercial de rede de fast-food?

No caso de alguma criança não frequentar tal lanchonete, talvez ela viesse a se sentir até diminuída perante o grupo. E os que não consomem feijão? Será que o fato foi comentado? A grande pergunta que fica para mim é: em que sentido foi conduzida a discussão neste caso?

Fico me perguntando qual foi a reflexão posterior a essa constatação, uma vez que a crescente ausência do feijão no cardápio dos brasileiros vem sendo um tendência que deveria preocupar pais e educadores.

E a outra reflexão que se pode fazer a partir da experiência é: o que faz a marca da rede de fast-food em meio ao nome de alimentos tradicionais? Pode-se alegar que as crianças mencionaram a marca. Certo… mas e o professores, não questionaram isso? Permitiram que a marca viesse a ocupar o mesmo status do feijão e das frutas em um gráfico de consumo de alimentos? Não há algo a ser corrigido aí?

Como mera expectadora, me pergunto sobre as razões que teriam levado ao deslize dessa inversão de valores. Foi uma distração?… Será que os professores estavam tão distraídos que não perceberam que estavam sendo usados como propagandistas involuntários (ou “voluntários”?) da rede de fast-food?

Uma estratégia frequentemente utilizada nas iniciativas de educação em nutrição é apontar o inadequado mostrando seu nome ou seu logotipo. Não nos esqueçamos da máxima: “falem mal, mas falem de mim”! Mostrar a imagem do produto ou de seu logotipo, assim como mencionar seu nome, funciona como propaganda do produto, ainda que a mensagem venha com críticas sobre o produto ou com recomendações para evitá-lo.

Educação alimentar não é tarefa fácil nem banal.  Não permite distrações!