Alguns colegas nutricionistas me escreveram perguntando minha opinião a respeito da recente inclusão da Educação Alimentar e Nutricional nos temas transversais do currículo escolar. Tal inclusão deveu-se a uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), sancionada em 16 de maio último e publicada no Diário Oficial da União em 17 de Maio de 2018. Trata-se do acréscimo da Educação Alimentar e Nutricional nos temas transversais previstos na LDB.
Alguns profissionais mais afoitos pretendem que nutricionistas lecionem essa “matéria”, e circula em redes sociais um abaixo assinado destinado a ser encaminhado ao senado, reivindicando esse ensino para nutricionistas. Nada mais inapropriado e descabido!
Percebe-se aí a falta de entendimento do que é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e de que se trata os chamados Temas Transversais contidos nesta lei.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 20 de Dezembro de 1996, estabeleceu diretrizes e bases para a Educação Nacional, com a finalidade de disciplinar a educação escolar em todo o país, em instituições públicas e privadas, em nível fundamental e médio.
Esta lei estabeleceu os parâmetros curriculares nacionais, que determinam o ensino obrigatório da Língua Portuguesa, da Matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, e ainda, dentro dos conteúdos obrigatórios, a Arte e a Educação Física. Além dessas disciplinas obrigatórias a lei prevê o ensino de temas voltados mais especificamente à construção da cidadania, à compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. Claramente não se trata de novas disciplinas ou novas áreas de ensino. O que são então?
Preconiza-se que os conteúdos dos Temas Transversais sejam incorporados às áreas de ensino já existentes, que constituem o núcleo obrigatório acima mencionado, na perspectiva da transversalidade e da interdisciplinaridade.
A interdisciplinaridade é o trabalho desenvolvido no limiar entre disciplinas, referindo-se, portanto, ao estabelecimento de uma relação entre disciplinas. A transversalidade diz respeito a uma prática educativa mais próxima da realidade, possibilitando mesmo a inclusão de temas extraescolares, que sejam, por exemplo, de interesse para a vida comunitária.
Os temas transversais já definidos na lei até o dia 16 de maio último eram: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual. Esses temas não constituem disciplinas, nem áreas de ensino, e eles não são ministrados por especialistas. Eles são incorporados às disciplinas obrigatórias. São debatidos porque traduzem preocupações da sociedade de hoje, que devem chegar ao aluno não como “matéria”, mas como uma ampliação de compreensão e debate sobre problemas atuais, orientada pelos professores de classe ou das disciplinas que compõe o currículo, caso se trate do Ensino Fundamental II ou do Ensino Médio.
O que mudou? Em 16 de Maio foi sancionada a Lei 13.666 que incluiu um novo parágrafo ao artigo 26 da LDB, que diz:
“9º.-A. A educação alimentar e nutricional será incluída entre os temas transversais de que se trata o caput.”
O caput, no caso, é o artigo 26 que estabelece os conteúdos e os temas transversais. Ressaltando então: educação alimentar não é uma disciplina, ela é um tema transversal, a ser ministrado pelo professor ou professora da classe ou de disciplinas que já integram os currículos.
Na realidade ela já estava presente como um tema transversal de saúde, mas a educação alimentar e nutricional pode ser trabalhada transversalmente com outros focos, pois trata-se de uma temática muito importante na vida cotidiana, quer seja sob a ótica de saúde, de preços, de direito humano, de consumo, de cultura, de arte, de possibilidades de escolhas profissionais, de ecologia, de literatura, de história, de geografia, de ciências, enfim… creio que não acabaríamos esta lista se pretendêssemos esgotar as possibilidades de abordagens. E quem deve desenvolver as temáticas são os professores da escola.
Assim, respondendo a pergunta que me foi dirigida. Sim, considero a Lei 13.666 um avanço, pois coloca a Educação Alimentar e Nutricional dentro de uma perspectiva mais ampla. Porém considero totalmente descabido que se reivindique a ministração desse conteúdo por qualquer outro profissional que não os professores que já estão nas escolas. Os nutricionistas podem, sim, auxiliá-los, apoiá-los quando for necessário um suporte mais técnico, mas no papel de assessores. Se, convidados pelos professores a uma atividade junto aos alunos, podem fazê-lo, porém sem tirar do professor ou professora, a responsabilidade final pela atividade desenvolvida. E, reiterando a questão central, jamais reivindicar esta atividade para si.
Maria Cristina Faber Boog
18/6/2018