OBESIDADE, MEDICAMENTOS E O LUGAR DA EDUCAÇÃO

Maria Cristina Faber Boog

Na seção Tendências/Debates da Folha de São Paulo, do dia 17 de Maio, foram publicados dois artigos a respeito do tema “Inibidores de apetite devem ser proibidos?”. Ambos tratam da pertinência da resolução ANVISA No. 52/2011, que proíbe a produção e venda dos medicamentos que contém como princípios ativos anfepramona, femproporex e mazindol.
O primeiro, a favor da resolução, escrito por Dirceu Barbano, farmacêutico, diretor presidente da ANVISA, defende a resolução dado que há suficiente respaldo científico para concluir não haver níveis seguros de uso para esses produtos. Ele afirma que os dados acumulados ao longo de décadas indicam um perfil de segurança e eficácia insatisfatórios para os medicamentos com esses princípios ativos. Argumenta ainda que os riscos a que se submetem os pacientes que os utilizam são injustificáveis dada a baixa capacidade de se manter permanentemente a redução de peso alcançada. Ele aponta ainda o fato de que entre os anos de 2012 e 2013, o percentual de pessoas obesas se estabilizou, pela primeira vez, desde 2006, o que demonstra que não houve aumento da obesidade após a proibição desses medicamentos.
O segundo, escrito por Walmir Coutinho, médico, presidente da Federação Mundial de Obesidade, posiciona-se contra a medida legal. Ele reconhece que é mais seguro emagrecer só com dieta e exercício, mas entende que ser contrário ao uso do medicamentos revela preconceito, na medida em que nesta posição está embutida a ideia de que o obeso é preguiçoso e não tem “força de vontade”. Afirma que obesidade é doença e que “muitos nasceram com forte tendência genética para acumular gordura e metabolismo lento”, o que justificaria o emprego do medicamento frente ao benefício trazido, maior do que o risco de permanecer com peso excessivo. Ele admite ainda que há um uso abusivo desses medicamentos por pessoas que apresentam apenas sobrepeso.
Ambos articulistas restringiram-se a defender seus pontos de vista em relação à pertinência, ou não, da Resolução ANVISA No.52/2011. Ambos apresentam argumentos plausíveis, mas nos cabe, como nutricionistas especializados em Educação Alimentar e Nutricional, tecer alguns comentários, para que esta discussão avance em aspectos que os autores não mencionam, mas que nos parecem pertinentes.
Em primeiro lugar, a tendência genética não nos parece justificativa plausível para o aumento dos índices de sobrepeso e obesidade que vem sendo constatados nos últimos anos. Grande parte do problema revela um fenômeno social decorrente de múltiplos fatores, entre eles, mudanças na oferta e no preço dos alimentos, variações no poder aquisitivo, influência de meios de comunicação e, obviamente, cultura do consumo. Portanto, são requeridas ações educativas, pois o cidadão se depara hoje com a necessidade de decidir sobre o que comprar, desafio que, para grande parte da população brasileira, não existia há 20 anos atrás. É importante lembrar que o sobrepeso e a obesidade passaram a se apresentar como problemas de saúde pública já na década dos anos noventa.
Em segundo lugar, alimentação é um comportamento humano, e, como comportamento, é moldado na sociedade, em primeiro lugar pela família. Cabe a todas instituições que prestam cuidados à família e principalmente às crianças, cuidar da alimentação, ofertando alimentos de boa qualidade e/ou ensinando crianças e famílias a cuidar da alimentação. A promoção da alimentação saudável deve ser um princípio a reger a as ações de cuidado, assistência e educação, especialmente aquelas destinadas às crianças.
Em terceiro lugar é urgente que se cuide do sobrepeso. Fala-se muito em tratamentos clínicos, cirurgias, medicamentos para obesidade, como tratou o debate dos dois especialistas, mas… e o soprepeso?
Como problema alimentar ele demanda atenção nutricional, porém esta não pode ser pautada estritamente na racionalidade técnica, porque como é também um problema de comportamento, ele demanda, sobretudo, ações educativas, pautadas na compreensão ampla da questão vivenciada, contemplando a subjetividade, a cultura, os sentimentos e a qualidade de vida. Esta última é um reflexo da posição que se ocupa na sociedade, da atitude do consumidor face aos recursos novos que a ascensão social recente passa a permitir, da história pessoal de vida de cada um e de vários outros fatores que se pode identificar no processo de aconselhamento dietético. A intervenção do nutricionista nestes casos é urgente e eficaz, para que o problema inicialmente alimentar não venha a se tornar, de fato, uma doença. Raciocínio semelhante pode-se aplicar ao processo de manutenção do peso. Ainda que os medicamentos tenham o poder de reduzir o peso, eles não mudam comportamentos, atitudes, valores e pensamentos. Esta é uma outra face do tratamento – a face da educação!

13/06/2014